Eu só queria uma tarde tranquila, mas como vocês estão cansados de saber, o universo tinha que brincar comigo.
Tudo começou quando o sol bateu na janela e revelou que meu gato estava sentado no topo de um cubo mágico, girando-o com uma pata como se estivesse resolvendo questões existenciais.
— Se você terminar isso primeiro que eu, eu desisto — resmunguei, tentando manter a consciência de que aquilo não era um sinal do cosmos sobre o termino iminente da minha sanidade.
Ele nem piscou.

Fui buscar conforto na minha caneca, mas ela tinha sumido. Procurei pela casa inteira até descobrir que estava servindo como trono para três anjos minúsculos discutindo sobre prosperidade e “fluxo energético”.
— Gente, só quero café — falei.
Eles concordaram em desocupar com uma elegância irritante, quase excessiva, tinha até um quê de carisma e alegria ali, confesso.

Tentei colocar um jazz baixinho pra acalmar, mas o som iniciou sozinho um DVD de karaokê de um dvd antigo que eu não lembrava de ter. A música era… interpretável.
Até as flores da sala murcharam em solidariedade.

Saí pro quintal buscando ar, mas encontrei uma rosa roxa, sim, roxo, exatamente essa tonalidade, que, honestamente, eu nunca plantei. A bruma ao redor dela parecia saída de um comercial suspeito de “transforme sua vida em 3 passos”, prometendo transformação e força como se eu tivesse pedido alguma coisa.
Toquei a rosa. Ela acendeu. Literalmente.
Decidi ignorar, porque sinceramente não havia café suficiente no mundo pra lidar com aquilo.

Quando voltei, havia uma pedra no meio da sala com um bilhete:
“Paz é relativa. Não chute.”
Pisei ao lado com cuidado.

Na cozinha, descobri um bolo de cenoura perfeitamente confeitado, embora eu estivesse sozinha em casa. Ao lado dele, uma xícara de chá com aroma de carinho e… um certo medo também.
— Muito obrigada, espírito gentil que cozinha — falei.
Silêncio. Pelo menos não era um espírito que desorganiza gaveta.

O problema começou quando ouvi um barulho no corredor. Parecia um varão caindo, seguido de um grunhido. Peguei um livro como arma (porque claramente funciona contra qualquer criatura) e fui olhar.

Era um ser minúsculo, com cara de poucos amigos, segurando uma placa que dizia:
“Incômodo Pífia Nº 7. Cheguei para atrapalhar o seu tempo de descanso.”

— Hoje não — respondi, veemente.
E fechei a porta na cara dele.

Sentei no sofá tentando retomar a criatividade, respirando organicamente como se estivesse participando de um ritual místico, mas minha televisão ligou sozinha exibindo um documentário sobre hipopotomonstrosesquipedaliofobia.
— Isso é ataque pessoal — murmurei.

Suspirar não adiantou. Era óbvio que o universo não tinha encerrado o expediente ainda.
Cinco minutos depois, ouvi batidas insistentes na porta.
Toque-toque-toque. Toque-toque-toque.
Ignorei.
Ele bateu mais forte.
Ignorei de novo.
Então ele começou a cantar. Cantar. Alto. Uma versão desafinada de Evidências.

— CHEGA! — abri a porta, exausta.

Lá estava o ser minúsculo novamente, agora segurando a placa virada do avesso. No verso estava escrito:
“Você pediu conexão, lembra?”

— Eu? Pedi? — franzi a testa.
Ele bufou, como se fosse óbvio:
— Desejo registrado no sistema universal às 03h14 da madrugada: “Ai, queria não ficar tão sozinha assim”.

— Eu estava com sono! — reclamei.
— Desejo feito é desejo cumprido.

Ele entrou na minha sala como se fosse proprietário do imóvel, arrastando uma malinha minúscula, com uma almofada do tamanho de uma bolacha e… um mini roupão de seda.

— O que você está fazendo? — perguntei, horrorizada.
— Me instalando. — E deu um tapinha na própria mala. — Agora eu moro aqui.

— NÃO.
— SIM.
— NÃO!
— Sinto muito, é política da casa celestial, se você pede companhia, recebe na hora. Sem devolução.

Ele então escalou o sofá, sentou na ponta da almofada e cruzou os bracinhos com ar de dono da situação.
— Ah, e preciso de três refeições por dia e uma troca semanal de musiquinhas para meditação. Se quiser, posso ensinar você também. Você parece… tensa.

Eu pisquei.
Ele não piscou.

Por um instante considerei renegociar com os anjos, trocar o ser minúsculo por um cactus falante, uma nuvem de glitter, qualquer coisa.
Mas aí o ser olhou pra mim com uma seriedade esquisita e disse:
— Relaxa. Eu posso ser pequeno, mas sou ótimo em companhia. E em atrapalhar também, mas isso você já percebeu.

— Percebi — murmurei.

Então ele ergueu a placa outra vez, agora com glitter piscando (não me pergunte de onde veio):
“Missão 1: Ajudar você a não surtar.”

Eu ri. Alto.
— Tá, tá. Fica. Mas nada de cantar Evidências de novo.

— Prometo. Tenho outras 47 músicas piores.

Ele sorriu.
Eu me arrependi na mesma hora.

E foi assim, sem pedir e totalmente sem necessidade, ganhei um novo companheiro.
O pequeno Fabrício. Sim. Fabrício.Mas pelo menos ele cozinha.
Às vezes.
Quando quer…

Imagem ilustrativa gerada com IA para fins visuais.

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Fragmentos Literários

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