Cósmico leitor,
E se aquilo que chamamos de “imaginação” for só uma memória de algo que já fomos ou que ainda somos em algum outro lugar? Hoje, te convido a atravessar o espelho comigo. Esse texto nasceu da vontade de olhar com mais ternura para os nossos “eus” não vividos. Às vezes, eles nos observam em silêncio, esperando que a gente se reconheça. Que esse conto te leve a reencontrar um pedaço esquecido ou inédito de si.
Entre os mundos onde não fui
E se a pessoa que te observa do outro lado do espelho for… você? Mas de outro tempo. De outro mundo. Com outra memória.
Naquela noite, a casa estava em silêncio. Lara entrou no quarto, apagou as luzes, mas não conseguiu deitar. Algo a puxava para o espelho da penteadeira. Era um espelho antigo, que ela herdara da avó e nunca soube por que ainda mantinha.
Ela se aproximou. O vidro parecia mais fundo do que lembrava. Como se, ao invés de refletir, o espelho abrisse um portal.
Do outro lado, uma mulher. Idêntica, mas não igual. Ela não sorria. Também não parecia triste. Só… presente. Atenta. Quase como se esperasse por aquele encontro há muito tempo.
Clara sentiu o peito apertar. — Você me conhece? — murmurou, sem esperar resposta. Mas a mulher do espelho piscou devagar, como quem entende.
Por alguns instantes, não havia tempo. Nem dor, nem pressa. Apenas duas versões de uma mesma alma se observando.
Foi só quando Lara tocou a superfície fria do espelho que ouviu, como num pensamento sussurrado: “Você ainda pode ser quem deixou para depois.”
O reflexo desapareceu. Mas algo permaneceu.
Desde então, todas as manhãs, Lara encara o espelho com mais cuidado. Como quem visita uma velha amiga. Como quem se compromete a não se abandonar de novo.
E você, cósmico leitor? Quem te observa silenciosamente do outro lado do espelho?
Entre versos e universos,
Julia Abreu

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