A Sinfonietta do Coração

 

Sarasvati, deusa do conhecimento, da arte e das palavras, sempre foi discreta. Preferia sussurrar inspiração em bibliotecas do que causar escândalo nos céus como Krishna. Mas… até as deusas cometem deslizes. Especialmente quando o entregador de samosas da tarde se chama Ravi e sorri como se tivesse um sol particular aceso no peito.
Ele não sabia que estava levando comida para uma deusa. Só achava curioso que o endereço era “Vidraçaria Estelar & Biblioteca Secreta”, e que a mulher que o atendia sempre parecia estar à beira de escrever um novo Veda (ou de chorar ouvindo Sinfonietta Janáček.)
A primeira vez que seus dedos se tocaram, Sarasvati sentiu o improvável: uma pontada de gastrite emocional. E não era por causa da samosa.
O que fazer, no fim das contas, quando o futuro bate à porta vestindo uniforme de entrega?
— “Você acredita em livre-arbítrio?” — ela perguntou, assim, do nada.
— “Acredito em beyblade, que gira até encontrar seu centro. Deve ser o mesmo com a alma, né?” — ele respondeu, sorrindo.
Ela se apaixonou ali. Ele falava de falava de comida como quem fala de poesia, e porque ele parecia não ter medo da morte, nem da maternidade, nem das perguntas grandes demais.
O amor, ali, nasceu frutífero, entre um picnic ao pôr do sol e conversas sobre alteridade e o nome das estrelas. Ela, uma deusa que sabia tudo sobre tudo. Ele, um homem que sabia ouvir sem querer consertar.
Claro, nem tudo era tranquilidade. Tiveram conflitos. Como quando ele esqueceu um verso sagrado dentro da caixa de samosa. Ou quando ela, num momento de excesso de esperança, disse que ele era “a resposta para seu dharma não resolvido”.
Mas havia resiliência nos dois. Uma fidelidade ao afeto que não precisava de prova, só de sentimento. E mesmo nos dias difíceis, Ravi a fazia rir dizendo que ela era poderosa, mística e impossível de derrotar, era meio que uma “Exodia dos sentimentos”
No fim, não fugiram cometas nem tempestades divinas. Apenas dois seres, uma deusa e um homem comum, tentando fazer caber o amor no contexto do mundo real.
Hoje, dizem que Sarasvati ainda escreve poemas para ele. E que Ravi largou a entrega e abriu uma livraria chamada “Vidraçaria Cósmica”, onde serve chá de hibisco com citações de Tagore.
E quem passa por lá garante que, às vezes, dá pra ouvir, no fundo, uma música suave…
…ou talvez seja só o som do coração de uma deusa, ainda tentando entender o que aconteceu com ela.

 

 

Sarasvati: Deusa hindu da sabedoria, das artes e da música. Ela é a esposa de Brahma e é reverenciada como a Deusa do Conhecimento, da Arte e da Educação.

 

Krishna: é uma figura central na religião hindu, reverenciado como um deus supremo e uma encarnação do deus Vishnu. Ele é considerado o oitavo avatar de Vishnu e é adorado como uma fonte de inspiração e guia espiritual.

 

Samosa: Salgadinho frito muito popular na Índia, feito com uma massa fina recheada com uma mistura de batatas, ervilhas e especiarias variadas.

 

Dharma: é uma palavra em sânscrito que significa aquilo que mantém elevado. Também é entendido como a missão de vida, o que a pessoa veio para fazer no mundo.

 

Tagore: Poeta, músico, artista, filósofo e escritor indiano

 

Vedas: São textos sagrados do hinduísmo, considerados pelos hindus como a revelação divina

 

Veena: Um cordofone indiano venerado, com raízes profundas na música da Índia antiga.

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Fragmentos Literários

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