Cósmico leitor,

 

A aventura, às vezes, começa com um grande chamado.
Outras vezes, com um colapso completo: o despertador não toca, o café queima, a internet some, e o mundo parece decidido a testar sua sanidade antes mesmo das oito da manhã.

 

O texto de hoje é um mergulho bem-humorado (como quase sempre) e quase real demais, na jornada do herói. Só que não tem espada brilhando nem castelo encantado. Aqui, o dragão atende pelo nome de ansiedade matinal e o mentor tem cheiro de creme de arnica. Mas a travessia é tão legítima quanto qualquer epopeia. haha

 

Você já recusou um chamado? Já fingiu que não viu o sinal, mesmo sabendo que ele era pra você?
Então respira. Essa história é sua também.

 

 

Quando o Mundo Caiu (e o Wi-Fi Também)

 

Letícia acordou com a estranha sensação de que algo estava prestes a dar errado. Não era exatamente uma intuição mística, era mais o resultado de três semanas ignorando todos os sinais do corpo e da alma. A confirmação veio segundos depois, com a notificação: Sem conexão com a internet.

 

Ela ficou imóvel por um momento, olhando para o teto como se buscasse ali um roteiro alternativo para aquele dia. Mas não havia. Só um ventilador girando preguiçosamente e o som distante de alguém varrendo folhas na calçada. Aquilo era o universo dizendo “Hoje não tem roteiro fácil”.

 

Levantou-se com o humor de quem sabe que a própria existência será testada. A caminho da cozinha, tropeçou na mochila que largara ali desde sexta-feira. “A jornada do herói sempre começa com a recusa ao chamado”, murmurou, rindo sozinha, com o sarcasmo de quem leu Joseph Campbell mas só queria voltar pra cama.

 

Fez café, queimou o café. Procurou o fone de ouvido, achou um só. E mesmo sem internet, colocou no ouvido como armadura simbólica, afinal, até heróis modernos precisam fingir controle.

 

Quando chegou à geladeira, encontrou o papel que ela mesma tinha colado ali meses antes, rabiscado num impulso corajoso que parecia vir de uma versão mais viva de si:
“Se você não for agora, vai passar o resto da vida se perguntando: e se?”
Era quase um aviso… Ou um empurrão disfarçado.

 

Letícia respirou fundo. Trocou o moletom pela calça “quase jeans”, amarrou o cabelo, pegou a bolsa, e saiu. Não sabia exatamente para onde ia, só sabia que precisava ir. Era uma entrevista de emprego que nem parecia promissora, mas era isso ou continuar esperando por algo que nunca chegava.

 

O portão emperrou. Ela tropeçou. O ônibus passou lotado. O motorista nem olhou na cara dela. E quando tudo parecia um teste de paciência cósmica, uma senhora no ponto, daquelas que parecem saídas de outro tempo, virou pra ela e disse:

 

— A gente só cresce quando para de esperar que o mundo nos entenda.

 

Letícia não entendeu. Mas alguma parte dela entendeu, porque às vezes, é só isso: a frase certa no momento em que tudo parece errado. Um mini-oráculo de ônibus.

 

Chegou ao prédio onde seria entrevistada com a maquiagem borrada de calor e o coração batendo como se fosse entrar numa arena. Não era sobre emprego, mas sim, sobre voltar a se apresentar ao mundo.
Lá dentro, o entrevistador mal olhou para ela. Perguntou coisas demais. Fez cara de tédio. E mesmo assim, Letícia respondeu. Com firmeza e verdade…. E quando ele fez a última pergunta — “Por que deveríamos te contratar?” — ela respondeu com algo que nem sabia que estava guardado:

 

— Porque toda história boa começa com dificuldade, e eu sei transformar começo difícil em final bonito.

 

Na volta pra casa, o céu estava dourado. O Wi-Fi ainda não tinha voltado. Mas ela também não era mais a mesma.
Não porque ganhou algo.
Mas porque foi.
Porque respondeu.
Porque disse “sim” quando tudo nela queria dizer “depois”.

 

 

E você, cósmico leitor?
Quando foi a última vez que seguiu, mesmo sem ter certeza de onde ia dar?

 

Entre versos e universos

Julia Abreu

Categorias:

Fragmentos Literários

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