Cósmico leitor,
Às vezes, para entendermos quem somos, precisamos observar não só o mundo à nossa volta, mas também as versões de humanidade que vieram antes de nós e as que, talvez, virão depois. Foi pensando nisso que decidi escrever este texto de hoje. Deu vontade de mostrar, de forma lúdica, como a leitura transforma o tempo, as pessoas e seus destinos. Aqui, três figuras de épocas distantes se encontram, entre elas: uma mente do passado, moldada por livros; alguém do presente, distraído entre notificações; e uma criatura do futuro, quase incapaz de formular um pensamento próprio. É um encontro improvável, mas cheio de humor e de reflexão silenciosa.

Espero que, ao ler, você perceba que não se trata apenas de um diálogo, e sim de um alerta leve e sutil sobre quem somos quando lemos… e quem deixamos de ser quando não lemos nada. Que este texto te provoque curiosidade, te fazendo sorrir e te convidando a pensar na sua própria relação com o conhecimento, com o tempo e com você mesmo.

 

Quando o tempo marcou um encontro

Eu juro que não tinha intenção nenhuma de viajar no tempo.
Só queria achar uma mesa vaga na biblioteca pública. Mas, quando empurrei a porta rangendo como se reclamasse da vida, dei de cara com algo… estranho.

Na primeira mesa, um homem do século XIX folheava um livro enorme, daqueles que parecem ter mais opiniões que páginas. Vestia um casaco longo e sua postura era impecável. Me olhou com uma expressão curiosa, como se cada frase do mundo merecesse ser estudada.

— Perdão — disse ele, olhando ainda mais impertinente para mim. — Poderia me informar se já publicaram novos romances desde esta manhã? Estou ansioso por novidades.

Antes que eu pudesse responder que “novidades” agora são PDFs perdidos na nuvem, ouvi um plim.
Do meu lado, apareceu… eu.
Ou melhor, alguém da minha época, vestia moletom, tinha olheiras, e claro, um celular na mão. Livro? Nenhum!

— Novidades? — essa versão contemporânea bufou. — Amigo, a gente não lê nem os e-mails. Só me deixa sentar que preciso recarregar meu cérebro… digo, meu celular.

O homem antigo franziu a testa, confuso.
Eu também.

Mas nada se comparou ao que veio depois.

Um clarão azul, tipo propaganda de tecnologia que promete arrumar sua vida, e surgiu uma pessoa do futuro.
Aparentemente adulta, mas com a expressão de quem nunca usou uma sinapse por conta própria.

— Sistema, onde estou? — perguntou ao ar.

Ninguém respondeu.
Nem o ar.

Desesperado, o futurista bateu no próprio pulso.

— Minha IA não funciona, minhas respostas automáticas não carregam… O que? Como sobrevivem sem processadores?

O homem do século XIX quase desmaiou.
O da minha época fez um “ih, complicou”.
E eu fiquei no meio, sem saber se socorria alguém ou se corria pela saída de emergência mais próxima.

O antigo falou primeiro:

— Perdoe a indelicadeza, mas… você lê?

O futuro ergueu os ombros.

— Pra quê? Meus aparelhos pensam por mim. Eu só… é… eu existo.

— Existe? — repetiu o homem do passado, horrorizado. — Sem estudo, sem letras, sem histórias, sem nada?

— Ué — respondeu o futurista. — Mas pra quê história, se tudo que eu preciso alguém me conta?

Silêncio.
Um silêncio tão grande que até as estantes se encolheram.

A versão da minha época pigarreou.

— Mano… acho que você é o spoiler do que virá depois da gente.

— Spoiler? — o futuro perguntou. — O que é isso?

E a versão antiga, indignada:

— Ele não sabe o significado de “spoiler”! Isso é a ruína da civilização!

Eu tentei mediar a confusão, mas os três começaram a discutir:

O passado defendendo o pensamento.
O presente defendendo a pressa.
O futuro… tentando reiniciar.

De repente, a bibliotecária apareceu Era calma, baixinha, com olhar de “já vi coisa pior”.

— Vocês estão atrasando quem veio aqui pra ler — disse ela. — Cada época tem seus excessos. Mas nenhuma sobrevive sem histórias.

O homem do século XIX assentiu.
O da minha época guardou o celular.
O do futuro… bem… pediu ajuda pra descobrir o que era um livro, e a bibliotecária levou ele até a sessão infantil.

E eu fiquei ali, olhando para os três.
Três versões da humanidade, lado a lado.
E entendi que não importa o século ou o chip instalado…
Quem deixa de ler, deixa de ser um pouco humano.

Imagem ilustrativa gerada com IA para fins visuais.

E você, cósmico leitor?
De qual época estaria mais perto hoje?

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Fragmentos Literários

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