Cósmico leitor,
Algumas viagens não nascem do desejo de fugir ou só descansar. Elas começam pequenas, quase insignificantes, como buscar um documento esquecido. São deslocamentos que não prometem nada, e talvez por isso entreguem tanto.

O texto de hoje nasce dessa ideia. De uma viagem feita sem grandes expectativas, nem planos mirabolantes. Um bate-volta comum, desses que a gente acha que não vai render história nenhuma. Mas a vida, como sempre, aproveita esses trajetos distraídos para colocar pessoas no caminho, fazendo algo florescer onde nem imaginamos.

Este conto fala sobre o acaso, sobre encontros que não pedem licença e sobre como algumas viagens, mesmo curtas, ampliam o mundo de um jeito silencioso. Sem alarde. Só acontecendo.

Foi só para resolver uma coisa simples

A viagem era para resolver uma coisa boba. Não havia grandes planos e muito menos férias.

Eu só precisava buscar um documento que tinha ficado na casa da minha avó, numa cidade a uma hora de avião. Poderia ter ido outro dia, ou ate pedido para alguém trazer, mas decidi ir eu mesma. Um bate-volta rápido, pensei. Café da manhã aqui, almoço lá, jantar de volta.

Era isso. Só isso.

No avião, sentei ao lado de um homem que claramente não sabia onde colocar os braços.
Ele tentou cruzar. Bateu no meu cotovelo. Pediu desculpa com um sorriso meio sem jeito.

— Prometo que sou menos desastrado fora de aviões — disse.
— Espero — respondi. — Pretendo sobreviver a esse voo.

Rimos.
E foi assim que começou.

Ele também estava indo resolver algo simples: devolver um livro emprestado há anos. Daqueles que ficam na estante tempo demais e passam a carregar culpa.

— Pensei que devolver pessoalmente seria mais digno — ele explicou.
— Ou mais dramático — comentei.
— Um pouco dos dois.

A cidade nos recebeu com sol demais para um compromisso tão pequeno.
Como tínhamos algumas horas livres, decidimos caminhar sem mapa, como quem não deve nada ao tempo.

Entramos numa padaria antiga onde o café vinha forte e o pão vinha quente.
Ele contou histórias da infância, e eu contei histórias que só conto quando confio.

Era estranho como tudo parecia simples demais.

Como se o mundo tivesse diminuído o volume só para deixar nossa conversa existir.

Depois, cada um resolveu sua pendência.

Nos reencontramos por acaso na praça central.
Ou talvez não tenha sido acaso.

— Então… missão cumprida? — perguntei.
— Quase — respondeu. — Falta o mais difícil.
— O quê?
— Voltar fingindo que nada aconteceu.

Sentamos num banco e dividimos um doce num silêncio confortável.
Nenhuma promessa. Só aquele entendimento silencioso de que algo tinha começado ali. Mesmo que não soubéssemos onde terminaria.

No voo de volta, ele segurou meu braço durante a decolagem.

— Medo de avião? — perguntei.
— Não — disse ele. — Medo de chegar e perceber que a vida continua igual.

Sorri.

Quando pousamos, trocamos números.
Não com a urgência de quem não quer perder, mas com a calma de quem sabe que algumas coisas não se perdem tão fácil.

A viagem tinha sido para resolver algo pequeno.
Mas voltou com espaço suficiente para caber outro nome na memória.

E isso, definitivamente, não estava nos planos.

Imagem ilustrativa gerada com IA para fins visuais.

E você, cósmico leitor?
Qual foi a viagem que mais te marcou?

Entre versos e universos,
Julia Abreu

Categorias:

Fragmentos Literários

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