Havia dias em que tudo parecia girar em torno da mesma rotina: acordar, cumprir, resistir, dormir.
Repetir.
Mas Julia sabia que, por baixo dos gestos mecânicos, havia sempre um incêndio lento e um coração que insistia em arder mesmo quando o corpo só queria descanso.
Era sensível demais para o mundo, e ainda assim, não conseguia ser menos.
Sentia saudade do que viveu, do que não viveu, e até do que ainda nem aconteceu.
A alma dela era uma ponte entre o real e os devaneios, sempre ganhando outras cores e significados E mesmo isso sendo bonito, doía.
As expectativas pesavam como pedras invisíveis. Às vezes, eram promessas que ela nem lembrava de ter feito, mas carregava mesmo assim.
Sentia que existia entre mundos. No corpo de Julia havia mais do que um nome: havia uma história em construção, feita de falhas, delicadezas, silêncios e intenções.
Com o cenho franzido, ela olhava o céu como quem procura respostas escritas nas nuvens.
Talvez nunca houvesse uma resposta certa, mas ela seguia tentando encontrar sentido até no que partia.
Ali, naquela noite morna, o pôr do sol parecia um rasgo entre o ontem e o amanhã.
E era como se o céu dissesse que tudo passa, mesmo o que parece eterno.
Pensou em Abby, com sua risada leve e sua maneira de cuidar do mundo sem fazer esforço.
E sentiu que a humanidade ainda tinha salvação, mesmo quando tudo parecia desabar.
De repente, veio uma emoção sem nome. Um arrepio. Uma vontade de chorar, não de tristeza, mas de plenitude. Uma vontade de se deixar ser.
Sentiu admiração por si mesma. Por ainda estar aqui. Por ainda sentir. Principalmente por não ter endurecido, mesmo com tantas razões para isso.
Acreditava que os devaneios não eram fuga, mas sim, sobrevivência. Erguia mundos dentro de si para continuar existindo neste.
E, em silêncio, prometeu continuar acendendo a chama, mesmo nos dias em que tudo parecer escuro.
Porque, apesar de tudo, ela era feita de alguma força invisível. Daquelas forças que só quem sente demais consegue ter.

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