Cósmico leitor,
Esta semana, escolhi escrever um texto que mistura humor ácido e um toque de crítica social. Daquele jeito quase imperceptível que faz o leitor rir primeiro e pensar depois. A verdade é que estamos cercados por aplicativos e telas, cheias de notificações que moldam nossa rotina mais do que gostaríamos de admitir. Por isso, nada mais justo do que transformar essa relação em uma história exagerada na medida certa. Sendo divertida o suficiente para prender e real o bastante para cutucar.
O conto de hoje brinca com a forma como dependemos do celular para tudo — TUDO mesmo. De pagar pão a lembrar de beber água. É uma narrativa que carrega pequenas doses de “será que estamos indo longe demais?”. Espero que você encontre humor, identificação e, se quiser, alguma fagulha de reflexão nas entrelinhas.
A civilização dos 12% de bateria
Eu percebi que a humanidade tinha oficialmente perdido o controle quando fui comprar pão e a moça da padaria me perguntou:
— Quer pagar no débito, crédito ou aproximação pelo aplicativo da nossa padaria?
Aplicativo.
Da padaria.
Juro que, por um segundo, imaginei os padeiros discutindo atualizações de firmware enquanto assavam sonhos.
E o pior de tudo é que eu tenho o aplicativo.
A verdade é que a gente vive num mundo em que você pode controlar a casa, pedir comida, fazer terapia, adotar um cachorro e aprender mandarim… tudo sem levantar do sofá. Desde que seu celular esteja com mais de 12% de bateria.
Abaixo disso, você deixa de ser cidadão e vira uma entidade vulnerável e emocionalmente instável. Uma entidade que é quase capaz de topar qualquer carregador emprestado como se fosse água no deserto.
Outro dia, perdi meu celular por três horas.
TRÊS HORAS.
E eu descobri coisas horríveis sobre mim.
Por exemplo: eu não sei o número de ninguém de cabeça.
Nem da minha mãe.
Se me sequestrassem e pedissem pra eu ligar pra alguém, eu teria que responder:
— Ei, moço… posso procurar no Google?
E o moço provavelmente diria:
— Claro, mas faz login no Wi-Fi primeiro, a senha é “inferno1234”.
A parte mais absurda disso tudo é que criaram app até pra escrever.
E eu uso.
E você também usa.
Porque é prático, porque sincroniza, porque tem nuvem, porque lembra de coisas que a gente não lembra.
Quer dizer… a gente, espécie supostamente dotada de cérebro, terceirizou totalmente a função de pensar.
Outro dia, meu celular sugeriu uma palavra enquanto eu escrevia. Eu aceitei.
E depois fiquei me perguntando quem estava narrando a história…
Era eu ou o algoritmo?
Aliás, semana passada encontrei um amigo que disse:
— Me livrei de tudo. Agora só uso o celular pra essencial.
Perguntei o que era essencial.
Ele respondeu:
— Planilha de gastos, despertador, meditação guiada, calendário lunar, rastreador de passos, IA que me lembra de beber água, aplicativo pra olhar estrelas e… ah, claro, meu jogo de fazendinha.
Claro.
Essencial.
E, sinceramente, não julgo, não. Porque, assim como todo mundo, eu vivo tentando não depender do aparelho que fica no meu bolso… enquanto confiro compulsivamente se ele ainda está lá.
A vida real?
Fica em segundo plano, porque é só a notificação vibrar e pronto… Já esquecemos o cheiro do pão, ou qualquer coisa interessante.
Às vezes eu penso que se tirassem todos os celulares do mundo por um único dia, o que aconteceria?
Caos? Pânico?
Talvez redescobríssemos que a vida tem coisa acontecendo fora da tela.
Ou talvez, e essa é a pior hipótese, a gente só ficasse parado, sem saber pra onde ir, esperando alguém mandar uma notificação dizendo:
“PASSO 1: Respire.”
E, sinceramente?
Do jeito que estamos…
Eu não duvido que a gente obedeceria.

Imagem ilustrativa gerada com IA para fins visuais.
E você, cósmico leitor?
Acha que sobreviveria a um dia inteiro sem o celular?
Entre versos e universos,
Julia Abreu


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