Imagem ilustrativa gerada com IA para fins visuais.

A Última Travessura

Eu sei que parece mentira, mas o sobrenatural me encontrou em um halloween há alguns anos atrás.
Era uma noite calma, dessas que enganam a gente com duas luas lindas no céu, uma real, outra reflexo do copo de vinho.
Estava cortando uma ameixa na cozinha quando ouvi batidas na porta.
Três. Entrecortadas.
Como se a própria morte tivesse perdido o ritmo.

Abri, e lá estava ele.
Michael Myers.
De avental.
Segurando uma abóbora.
Dizendo, com uma voz que parecia saída de um liquidificador quebrado:
— Doce ou travessuras?

Juro que o pior não foi ver o assassino mascarado na minha varanda, mas o cheiro.
Cheiro de crisântemo e sangue seco, com um toque de perfume barato de farmácia.
Fiquei nervosa, mas como uma boa brasileira, ofereci café.
Ele aceitou.
Sentei com o homem, que claramente precisava de uma conversa ou de um exorcismo.

Enquanto mexia o café, notei algo na janela.
Uma coruja me observava com olhos de pura inteligência, como se dissesse: você vai se arrepender.
Mas continuei (a curiosidade sempre vence o medo, né?).

— Então, Michael… — comecei. — O que te traz por aqui?
Ele respondeu:
— Amor.
Pausa dramática com o som de trovões de fundo.
Levei a xícara de café até a boca e olhei pro relógio, pensando se era cedo demais pra chamar o padre.
Mas ele continuou, com voz trêmula:
— Eu só queria sentir alegria de novo. Fui feito pra coisas sinistras, mas cansei do terror.

Na mesa, o brilho do sol da manhã seguinte refletia na máscara.
Era bizarro e, de certo modo, poético.
A morbidez da situação tinha algo de… bruxaria.
Foi quando ele tirou um livro da mochila que chamava “Manual de Autoajuda para Assassinos em Crise Existencial”.
E ali, tinha algumas frases motivacionais e uns desenhos de bichos, drácula e alguns outros monstros aleatórios. Folheei um pouco e vi que havia uma dedicatória no meio de tudo, que dizia:

“Para a bruxa que me ensinou que até monstros merecem progresso.”

Eu comecei a rir.
Rir tanto que quase derrubei o café na vassoura velha encostada no canto.
Ele pareceu ofendido.
E, sem dizer mais nada, se levantou, deixando a abóbora na mesa.
Dentro dela, um guardado. Era uma estrela feita de cera e fios de cabelo.
Lindo e aterrorizante.

A casa ficou estranhamente silenciosa, e o tempo parou por um segundo.
Senti o ar pesado, e de repente, o som de um carrossel tocando ao longe.
Ouvi um som entrecortado, que vinha do nada e de todos os lugares ao mesmo tempo.

A oliveira do quintal balançou sozinha.
A força do vento abriu o livro e uma frase brilhou em vermelho:

“Os segredos dos vivos pertencem aos mortos.”

Foi aí que ouvi passos.
Lentos. Atrás de mim.

Virei.
Nada.
Só a sombra de Michael na parede, mas ela não se movia igual a ele.
Quando me dei conta, ele já não estava mais ali. Só o eco de uma risada… e um bilhete preso na porta:

“Agradeço o café. Nos vemos no próximo Halloween.
P.S.: sua alma tem melancolia demais pra ser desperdiçada.”

Na manhã seguinte, a polícia apareceu.
Disseram que o corpo de um homem mascarado foi encontrado na pracinha, deitado sob a oliveira, com um sorriso nos lábios.
Ao lado dele, uma ameixa mordida e uma nota escrita em sangue:

“A fé não salva monstros, mas a coragem de rir deles… talvez.”

O policial me olhou com desconfiança.
— A senhora sabia de algo? — perguntou, anotando no bloquinho.
Eu sorri, tentando parecer inocente.
— Só sei que a vida tem um senso de humor meio mórbido.

Ele franziu o cenho, olhou ao redor e acrescentou:
— Estranho… havia marcas de uma força sobrenatural ali.

Respondi, pegando a xícara de café ainda morna:
— É Halloween, delegado. Às vezes, até os mortos precisam dançar um pouco.

No fundo, a TV ligada sussurrou uma notícia: “Iceberg se desprende no Ártico.”
Suspirei.
Algumas coisas, pensei, simplesmente não sabem a hora de afundar.

Imagem ilustrativa gerada com IA para fins visuais.

Categorias:

Fragmentos Literários

Compartilhar:
Posts Relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

 

 

 


Cósmica Palavra

Cada palavra escrita é uma estrela que não se apaga.

Siga e Inscreva-se
Posts Populares
Inscreva-se na minha newsletter

Receba cartas cósmicas direto no seu e-mail.