Cósmico leitor,

 

Nem todo mistério começa com uma porta ou termina com uma resposta. Às vezes, ele só… senta na sua sala e pede café.

 

Hoje, compartilho um conto que não tenta explicar, apenas observa, como quem flagra o Universo cochichando, mas entende que não é da sua conta.

 

Talvez seja sobre sincronicidades. Ou sobre esquecer um detalhe importante. Ou talvez, só talvez,  sobre abrir espaço para o improvável sem exigir que ele faça sentido.

 

 

Alguém Trocou Meu Vizinho

 

Eu sei que parece loucura, mas alguém trocou meu vizinho.

 

Ele era um senhor ranzinza, do tipo que reclama do barulho das formigas e ameaça processar quem usar perfume doce no elevador. Tinha bigode grosso e uma barba que parecia feita de lã de aço, além de um olhar que desaprovava até o oxigênio.

 

Mas então, numa terça-feira qualquer, ele sumiu. E voltou… diferente.

 

Quero dizer, fisicamente era o mesmo. Mesmo bigode, mesma barba, mesma careca lustrosa, mesma bengala de madeira que fazia toc toc toc no corredor às 7h da manhã como uma ameaça passivo-agressiva. Mas agora, ele me dava bom dia. Sorria. E ontem… ele cantava Elton John enquanto regava violetas na varanda.

 

Aquele homem odiava flores. E música. E, possivelmente, o planeta Terra.

 

— Tudo bem, vizinho? — perguntei, meio sem querer.

 

Ele olhou pra mim como se eu fosse um unicórnio oferecendo chá.

 

— Melhor do que nunca, camarada! — disse, com uma piscadela.

 

Camarada?

 

Ele me chamou de camarada?

 

Passei o dia inteiro desconfiado. Talvez ele tivesse batido a cabeça. Ou descoberto o milagre do lúpulo artesanal. Ou até feito uma imersão espiritual com cogumelos na Chapada dos Veadeiros. Eu não sabia, mas definitivamente, algo tinha acontecido com ele.

 

E as mudanças só pioraram. No bom sentido. O elevador, antes um campo de tensão pura, agora era um evento social que ele contava piadas. PIADAS. Comprou uma camiseta do Snoopy e trocou o ringtone por uma música da Shakira. Doeu nos meus tímpanos, e na lógica.

 

Até que hoje, no meio da manhã, fui levar o lixo.

 

E ouvi vozes dentro do apartamento dele. Mas… não uma conversa. Uma entrevista.

— Missão cumprida. Adaptação completa. Memórias assimiladas. Ninguém suspeita de nada.

 

Silêncio.

 

— Com exceção do vizinho do 703.

 

Mais silêncio.

 

— Posso neutralizá-lo. — disse a voz.

 

Gelei.

 

Quase deixei o saco de lixo cair.

 

— Brincadeirinha. — completou a voz, rindo.

 

Eu voltei devagar, sem fazer barulho, tentando respirar só por necessidade biológica. Tranquei a porta. Fechei as janelas….

 

A parte estranha?
Estou com saudade do vizinho ranzinza.

 

A parte mais estranha?
Hoje ele me convidou pra jantar.

 

E eu… aceitei…

 

Só estou pensando em que roupa se usa pra ser abduzido com elegância.

 

 

E você, cósmico leitor?

Se um dia alguém que você conhece demais começar a sorrir diferente…

Você perguntaria o que aconteceu, ou apenas aceitaria o convite para jantar?

 

Entre versos e universos,

Julia Abreu

Categorias:

Fragmentos Literários

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