
Saudação a quem lê, ou ouve ussurros nas paredes
Se esta carta chegou até você, é porque a casa permitiu. Não se assuste com os ruídos vindos do porão, porque são só as irmãs ensaiando sua orquestra de objetos perdidos. Elas tocam todas as sextas-feiras 13, sempre à meia-noite, com agilidade assustadora e talento duvidoso.
Preciso ser breve. A tinta escurece sozinha depois da segunda leitura. Coisas de Plutão, acredito.
Vim aqui há sete dias. Ou sete anos. A noção de tempo se esvai rápido quando se vive com a sensação constante de estar sendo observado. Dizem que é saudade… mas saudade de quê, exatamente?
Talvez de mim, antes desta casa…
Aqui, a amizade é silenciosa e a alteridade é regra: todos os moradores anteriores ainda estão por aqui. Só que… de outras formas. Uns viraram cortinas. Outros, cheiro de café queimado. Em noites mais frias, surgiam marcas de frieira no chão de madeira, como se alguém descalço rondasse a casa. Alguém que não era eu.
E… sério… viver aqui é viver à beira do irreal, onde tudo tem cheiro de sonho velho e gosto de adamantium derretido, ou seja: impossível de mastigar, mas difícil de esquecer. Só consigo dizer que a vida pulsa estranha por aqui. Tem cor, mas nenhuma previsível. Tem amor, mas daquele que gruda como poeira nos livros, a gente não vê, mas sente.
Se decidir entrar, esteja ciente: a casa escuta. E ela assunta cada palavra não dita. Respeite os silêncios, não repare nas sombras, e nunca… JAMAIS, tente apagar o que está escrito nas paredes do sótão.
A solitude aqui tem gosto de vela apagada e risada abafada, e é preciso certa diversidade de coragem para permanecer… e, bem, nem todos conseguem.
Por fim, não estranhe se os espelhos responderem algo que você ainda não perguntou.
Com toda a sinceridade,
— a anterior

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