Dizem que algumas pessoas voltam como se nunca tivessem ido. Sara voltou como um cometa: barulhenta e impossível de ignorar.

 

A primeira pista foi o cheiro de bolo de lavanda e a súbita aparição de guarda-chuvas coloridos amarrados nas árvores da praça. A segunda foi um bilhete colado na porta da padaria:

 

“Atenção: hoje é um ótimo dia para mudar tudo. Assinado, o improvável.”

 

Pouco depois, lá vinha ela, em sua bicicleta azul clara, capa de chuva laranja, uma blusa verde e um guarda-chuva invertido girando no alto como antena de outro mundo. Atrás, uma carroça barulhenta carregava livros usados e uma caixa onde se lia: “Afetos recicláveis – pegue o seu”.

 

Dona Candinha quase derrubou a cestinha de pães de tão surpresa.

 

— “Ah, não… voltou a patuscada”, disse, tentando conter um sorriso.

Sara havia decidido que Pedra Clara estava séria demais para uma vila com nome de pedra que brilha. E ela, com seu humor torto e seu coração pluvial (feito para chover e florir ao mesmo tempo), tinha planos.

 

Nas semanas seguintes, surgiram oficinas de “choro terapêutico”, campeonato de caretas na praça, aulas de glosa para crianças e um coral de vozes desafinadas, mas felizes. A vila, antes acinzentada, agora reluz com guarda-roupas coloridos e receitas compartilhadas em bilhetes deixados sob as portas.

 

O mote de Sara era simples: “Se for pra existir, que seja com graça.”, mas nem todos estavam prontos para tamanha incandescência. O padre Elias chamou de castigo divino aquela overdose de liberdade. Já o farmacêutico reclamava da queda nas vendas de ansiolíticos — “o povo agora trata ansiedade com chá e sarau!”, resmungava.

 

Só que, no fundo, até os mais ranzinzas sentiam um certo doce alívio no ar. A vila começava a respirar diferente e Sara dizia que a vida era uma galáxia de absurdos e belezas, e que levar tudo a sério era o único erro imperdoável. Por onde passava, deixava um bilhetinho e uma provocação. Falava de conquista como quem fala de plantar hortelã: algo pequeno, mas cheio de força.

 

Ela não era só alegria… era também temperança. Sabia calar quando o silêncio era necessário e ouvir até o que não era dito. Sabia que o mundo precisava mais de quem segurasse mãos do que certezas. Certa tarde, ao ver o sol se esconder atrás da serra, disse para o gato preto em sua carroça:

 

— “Às vezes, tudo o que a gente precisa é de um pôr do sol cálido e alguém que fique, mesmo sem motivo.”

 

E talvez fosse isso. Talvez sua maior revolução tenha sido mostrar que o mais real da vida cabe em pequenas coisas: o cheiro do café de vó, uma dança na chuva, a coragem de rir alto, um abraço apertado e tantas outras coisas pequenas, que se tornam grandes pelo simples ato de fazer.

 

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Fragmentos Literários

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