Cósmico leitor,
Já reparou como alguns lugares têm o poder de transformar desconhecidos em personagens involuntários da mesma cena? O elevador, por exemplo. Essa pequena caixa de metal não é apenas um meio de transporte entre andares, mas um palco silencioso onde histórias acontecem em segundos. Aquelas histórias que ninguém planeja, mas que todos protagonizam.
É um silêncio cheio de significados. Pode ser constrangimento ou até aquele pacto secreto de “não nos olhamos, não existimos”. Mas basta um tropeço, um estômago roncando ou uma frase fora de hora para que esse silêncio se quebre e revele o lado humano escondido na pressa da rotina. É nesse espaço apertado e temporário que a vida urbana mostra sua estranha comédia, que é todo mundo junto, sem saber direito como se comportar, mas conectados pela mesma espera.
O Silêncio do Elevador
O elevador é, talvez, o único lugar em que a vida urbana se resume em segundos de constrangimento compartilhado. Não importa se você é executivo engravatado, estudante atrasado ou vizinha que carrega sacolas demais, porque quando a porta se fecha, todos são nivelados pelo mesmo silêncio artificial.
Foi assim, numa terça-feira sem graça, que o 10º andar se encontrou com o 3º e o térreo, dentro de uma caixa de metal espelhada. A primeira a entrar foi Dona Lurdes, senhora de setenta anos, com seu perfume exagerado de lavanda que sempre chegava antes dela. Logo depois entrou Henrique, publicitário cansado, ainda respondendo e-mails no celular, fingindo não perceber que o sinal estava péssimo. Por último, uma adolescente com fones de ouvido, que ouvia música alta o suficiente para ser trilha sonora do elevador.
A porta fechou.
Silêncio.
Apenas o zumbido da máquina e um pigarro de Dona Lurdes.
Ninguém sabia onde olhar. O espelho denunciava cada tentativa disfarçada: Henrique ajeitando o cabelo, a garota evitando contato visual, Lurdes fingindo examinar o botão de emergência como se fosse obra de arte.
O elevador parou no 7º andar. Entrou um sujeito de terno amarrotado, segurando uma sacola de marmita que exalava cheiro de feijão tropeiro. O silêncio se quebrou, mas não por palavras — e sim pelo estômago de Henrique roncando alto, denunciando a fome que a pizza da noite anterior não suprira. A adolescente riu. Lurdes comentou, sem filtro:
— Meu filho, isso aí não é fome, é lombriga pedindo aluguel atrasado.
Risos contidos, quase cúmplices. Pela primeira vez, os quatro respiraram juntos.
No entanto, o destino do elevador é ser cruel. Uma parada brusca, entre o 4º e o 5º andar, fez todos tremerem. A luz piscou. A marmita quase voou. E então, o silêncio ganhou um peso diferente: não era mais o constrangimento, mas o medo compartilhado.
Henrique largou o celular. A adolescente tirou os fones. Lurdes, com toda a calma do mundo, apertou o botão de alarme. O sujeito da marmita suspirou fundo e disse:
— Se ficarmos presos muito tempo, pelo menos comida eu tenho.
Riram mais alto dessa vez. O silêncio se dissolveu. De repente, aquelas pessoas, que jamais trocariam uma palavra no corredor do prédio, estavam conversando sobre novelas antigas, músicas estranhas e os absurdos do condomínio.
Quando o elevador voltou a funcionar e as portas se abriram no térreo, houve um segundo de hesitação. Como se ninguém quisesse sair. Como se, por alguns minutos, tivessem se lembrado que até o silêncio, quando compartilhado, pode virar história.

E você, cósmico leitor?
Qual foi a cena mais inusitada (ou engraçada) que já viveu dentro de um elevador?
Entre versos e universos,
Julia Abreu
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