Cósmico leitor,
A vida dentro de uma casa parece pacata quando a porta se fecha atrás de quem sai. Mas, para quem fica, cada minuto pode ser eterno. É nesse espaço invisível do cotidiano que moram as aventuras caninas, e vamos e venhamos, são cheias de drama, comédia e pequenas tragédias domésticas.
E se você pudesse ouvir o que três cachorros conversam quando o dono sai? Veria que o lar, sem testemunhas humanas, se transforma em um teatro completo, onde há um herói ansioso, um sábio preguiçoso e um vilão brincalhão. E, no fim, quando a chave gira na fechadura, tudo se resolve com a mais absurda das estratégias: a cara de inocência.
O julgamento canino do tempo
— Ele não volta. Tenho certeza absoluta! — disse o Ansioso, marchando em círculos como um general enlouquecido. — Desta vez é definitivo. Fomos abandonados!
— Você fala isso todo dia… — bocejou o Sonolento, afundado na almofada como um príncipe decadente. — E todo dia ele volta. É só esperar. Esperar é uma arte, e eu sou mestre.
— Ou… — interrompeu o Aventureiro, já com os olhos faiscando — a gente pode aproveitar o tempo! Vocês não percebem? Ele fecha a porta e nos dá… liberdade!
Antes que alguém respondesse, o Aventureiro disparou em direção à cozinha. Um estrondo metálico ecoou.
— PELAS PATAS DE SÃO FRANCISCO! — gritou o Ansioso. — Você derrubou a lata de ração! Ele vai descobrir!
— Relaxa — respondeu o Aventureiro, já com o focinho enfiado no tesouro espalhado no chão. — Ele nunca conta os grãos.
Enquanto isso, o Sonolento levantou só a cabeça, olhou para o cenário e disse, em tom solene:
— Vocês são a prova viva de que Darwin errou.
A farra só cresceu. O Aventureiro arrastou a toalha da mesa, o Ansioso tentou guardar tudo de volta latindo em pânico, e o Sonolento, cansado da confusão, foi dormir no tapete da sala.
Mas o clímax veio quando o carteiro passou. Três universos colidiram: o Ansioso latiu como um alarme disparado, o Aventureiro tentou abrir a janela para “enfrentar o inimigo”, e o Sonolento, sem abrir os olhos, murmurou:
— Se for encomenda de petisco, chamem.
Foi nesse caos que se ouviu o som fatal: a chave girando na fechadura.
Os três congelaram. O Aventureiro ainda com o focinho sujo de ração, o Ansioso arfando como se fosse desmaiar, o Sonolento roncando alto como se estivesse há horas em meditação profunda.
— Eu disse que ele não voltava… — sussurrou o Ansioso, trêmulo.
— Cala a boca! — rosnou o Aventureiro. — Se você falar, ele vai brigar com todos nós!
O dono entrou. Olhou para o chão sujo de ração, para a toalha caída, para os três cachorros alinhados em fila, abanando o rabo como se nada tivesse acontecido.
Silêncio. Expectativa.
E então… o Sonolento acordou, se espreguiçou e soltou o latido mais falso e animado da história:
— AU! Que bom que você voltou! Não vimos nada, não ouvimos nada, e se aconteceu algo… foi o gato.

E você, cósmico leitor?
Seria o que surta, o que dorme ou o que inventa confusão?
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