Onde a infância ainda mora

 

O sol ainda nem tinha decidido se aparecia ou não quando eu recebi a mensagem dele:

“Vai ter passeio no parque com as crianças. Quer vir? Faz tempo que não te vejo.”

Eu ri. O universo, em toda sua consciência bagunçada, tinha um senso de humor próprio. Justo no Dia das Crianças, depois de anos sem notícias, ele me chama. É, ele. O mesmo menino que roubava meu lanche e dizia que éramos casados “de faz de conta”.

Cheguei com meus sobrinhos, armada de paciência e quase um balde de protetor solar. Ele estava lá, sentado na grama, com o filho e uma menina de uns seis anos, de vestido vermelho, tentando fazer um pássaro de massinha. Ele parecia o mesmo (ok, talvez um pouco mais lobo e menos anjo), mas o sorriso era idêntico.

— Olha só quem voltou pra me perdoar — disse ele, com aquela franqueza que sempre me irritou e me encantou na mesma medida.

— Eu vim pela pipoca, não por você.

Ele riu. E aquele som, que eu reconheceria em qualquer céu, bateu forte.

Ficamos ali, rodeados por crianças gritando naqueles brinquedos infláveis e uma chuva de bolhas de sabão. Falamos da vida, das mudanças, dos anos em que cada um seguiu sua rota. Ele me contou sobre o casamento que virou decepção, e eu sobre os planos que viraram experiência. No ínterim, uma sensação boa, meio intrínseca, meio infantil, foi tomando conta.

Quando uma das crianças pediu pra montar no dromedário inflável do parque, ele olhou pra mim e disse:
— Aposto que você ainda corre mais rápido do que eu.

— Aposto que não — respondi, já sabendo que perderia.

Corremos. Caímos. Rimos tanto que quase esquecemos que éramos adultos. E naquele momento, com aquelas risadas e um pingo de estresse, algo se abriu dentro de mim. E não, não era reflexão, era só o impulso puro de quem lembra o que é ser feliz sem motivo.

Ele me ajudou a levantar, segurando minha mão com a mesma confiança de quando éramos pequenos. Disse que eu ainda tinha a mesma luz e paixão, que isso era o que sempre o fazia acreditar que o mundo podia ser bom.

Eu desviei o olhar, fingindo observar as raízes da árvore mais próxima.

A filha dele veio correndo e se jogou no colo dele. Ele me olhou, e nossa, aquele silêncio cheio de saudade só me mostrou que entendíamos tudo… O que foi, o que não foi, o que talvez nunca seria. Me fez elucidar que algumas pessoas voltam, não pra repetir o passado, mas pra iluminar o presente.

O sol começava a se pôr, e o parque se enchia de risadas. Vimos nos olhos um do outro, que aquilo não podia acabar. Logo, ele rapidamente perguntou se eu queria tomar um café depois. Eu disse que sim tão rápido, que rimos juntos, e nos levantamos. 

Assim que já estávamos todos juntos. Notou que eu estava tentando me conter pelas crianças, mas ele deu de ombros e disse, sorrindo:
— Toma um pirulito. Para adoçar a vida, doutora bruxa — disse.

Eu aceitei, rindo.
— Obrigada, professor de prosperidade emocional.

E lá fomos nós, atravessando o parque com as crianças, rindo como dois idiotas. Ele empurrava a filha no carrinho, eu equilibrava os brinquedos e o balde de pipoca, enquanto o sol se despedia com preguiça.

Ele me olhou, meio rindo, meio sério, e disse:
— Engraçado… você ainda me dá aquela sensação de felicidade meio boba, sabe?

— E você ainda me dá trabalho — respondi, tentando disfarçar o sorriso.As crianças começaram a correr, e antes que eu percebesse, ele saiu atrás delas com o carrinho, gritando que era o “lobo da pipoca”. Eu ri tão alto que quase derrubei o balde.

A alegria era tanta que ninguém mais lembrava da hora.
— Ei, doutora bruxa! — ele gritou de longe. — Acha que ainda sabe correr sem cair?
E lá fui eu, com um resto de esperança e o fôlego que me sobrou, pensando que talvez a essencial arte de viver fosse mesmo essa: tentar não cair antes das crianças.

 

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