No meio da multidão e da pressa, ele parou.
Sentiu o pulso do tempo vibrar mais lento, como se algo maior o puxasse para dentro de si. Um instante de pausa no caos. E, então, ela veio. Com a leveza de um sorriso de criança, desarmando até o concreto de paralelepípedo que a vida havia posto em seu caminho.
Não tinha uma presença que gritava, mas havia nela uma calma que arrastava. Era como se as coisas ao redor se curvassem à sua simplicidade.
Vestia um casaco gasto e trazia nos olhos aquele tipo raro de brilho que só se vê em quem já enfrentou tempestades e ainda escolheu ser sol.
— Que patuscada é essa que o universo me apronta? — ele pensou, bem introspectivo. Ela o encarou como quem enxerga além da superfície e lhe ofereceu uma bala de hortelã com a mesma naturalidade com que se oferece o coração.
Ali, mesmo com os ruídos da cidade e o vai e vem das distrações, nasceu um silêncio confortável. Do tipo que só acontece entre almas que, em outra dimensão, talvez já tenham se conhecido. Ele tentou encontrar lógica naquilo. Procurou alguma pista, algum sinal. Mas só encontrou jesus pintado num azulejo antigo da parede ao lado e um gato dormindo entre vasos de erva-doce. Era tudo tão comum… e ao mesmo tempo tão vasto.
Ela falava com a alma de quem conhecia os nomes das estrelas, mas também os mistérios de um calão esquecido nas esquinas da cidade.
Tinha a leveza de quem dança e a firmeza de quem não teme cair.
Trazia nos olhos a alegria dos que já se despedaçaram e, ainda assim, decidiram se colar de volta com cola de poesia.
— Você é feita de quê? — ele arriscou, sem esperar resposta.
— De uma galáxia cheia de cacos. De memórias e reinícios. De paciência para quem chega, de pressa para quem não fica. De afetos que explodem em exclamação. E de amor que não busca dominação, só presença.
Ele riu. Não porque entendeu. Mas porque, de repente, tudo fez sentido.
Ela tirou do bolso um broche do pikachu e disse com calma com um sorriso de canto:
— A vida é só uma grande mistura. E você… você é suficiente. Só precisa lembrar disso. E ele sorria. Pela primeira vez em muito tempo, ele só ria.

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