Cósmico leitor,

 

Nem sempre o que assusta é o que nos ameaça. Às vezes, o que nos assusta é justamente o que nos chama.

 

O conto de hoje fala sobre o desconhecido, não o que vive longe, nas galáxias, mas o que mora dentro: nas perguntas sem resposta, nas partes de nós que escondemos, ou que esquecemos de olhar.

 

Talvez você se lembre de um tempo em que o mundo cabia sob a cama. Ou talvez ainda more um universo ali.

 

Boa leitura.

 

 

Sob a Cama, o Universo

 

Luana nunca teve medo do escuro. O medo dela era mais específico: o que morava debaixo da cama. E, ao contrário do que os adultos diziam, ela sabia que não era imaginação. Havia alguma coisa ali embaixo. Não um monstro, nem um animal. Era como um espaço, maior por dentro do que por fora… Um universo.

 

Quando criança, ela acreditava que, se ouvisse com atenção o suficiente, ouviria as estrelas sussurrando. Às vezes, deixava pequenos papéis dobrados sob o colchão, com perguntas escritas em lápis de cor. “Por que meu pai foi embora?” “Por que eu me sinto invisível?” “O que existe depois do agora?” Nunca recebia respostas diretas, mas sonhava com imagens estranhas, como se o universo lhe enviasse metáforas em troca das cartas.
Com o tempo, como acontece com quase todo mundo, Luana cresceu. A cama mudou. O quarto mudou. As perguntas mudaram também, ou foram engolidas pelas urgências do mundo adulto.

 

Ela se formou em Letras, começou a trabalhar com revisão, alugou um apartamento pequeno e funcional, decorado com tons neutros e móveis que não contavam histórias. Vivia bem, dizia a todos. Mas havia noites em que algo parecia… ausente. Como se o mundo tivesse ficado mais raso, e as perguntas ainda existissem, mas ninguém mais estivesse ouvindo.

 

Aos vinte e nove anos, após a morte da mãe, Luana voltou a morar temporariamente na casa da infância. Era por praticidade, dizia a si mesma. Mas, na verdade, havia algo naquela casa que ainda a chamava.
Na primeira noite de volta, deitou-se no antigo quarto, agora cheio de caixas fechadas. A cama era a mesma. E, sem pensar muito, se ajoelhou no chão frio e espiou debaixo dela.

 

Ali estava a caixa.

 

A mesma de anos atrás.

 

Puxou com cuidado. Dentro, encontrou os papéis coloridos que havia escrito na infância. As perguntas ainda estavam lá, junto com um objeto estranho: uma pequena pedra preta e lisa, que parecia conter o céu dentro de si.

 

Ela se deitou no chão, com a pedra entre os dedos.

 

Não esperava ouvir nada. Mas algo se moveu.

 

Não no quarto, dentro dela. Uma lembrança, talvez. Um eco de algo que sempre esteve ali: a certeza de que aquele lugar era um portal. Não um portal literal, claro. Mas simbólico. Um lugar onde todas as dúvidas que não cabiam na superfície do mundo podiam existir.

 

Naquela noite, Luana sonhou com uma menina dormindo debaixo das galáxias. No sonho, as estrelas se curvavam para escutá-la.

 

No dia seguinte, acordou cedo, pegou um caderno novo e começou a escrever. Não sabia exatamente o quê, só sabia que precisava. As palavras saíam como vinham na infância: sem direção, mas com um tipo estranho de verdade.

 

Era como se escrever fosse, novamente, ouvir…

 

Como se o espaço debaixo da cama tivesse voltado para lembrá-la de algo essencial:
que há lugares dentro de nós que só se abrem quando nos deitamos no chão e olhamos o escuro de frente.

 

Luana não voltou a morar ali por muito tempo. Mas, em todos os quartos onde viveu depois, fez a mesma coisa no primeiro dia: deitava no chão e espiava sob a cama.

 

Não para procurar monstros.

 

Mas para lembrar que, às vezes, um universo inteiro mora no espaço que ignoramos.

 

E que há perguntas que continuam esperando ser feitas.

 

 

 

E você, cósmico leitor?
O que você escondeu no escuro por medo de encontrar luz?

 

Entre versos e universos,
Julia Abreu

Categorias:

Fragmentos Literários

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