O sol já alcançava o topo das montanhas mais distantes quando Juan se levantou de súbito.

Havia dormido apenas três horas, por insistência de sua mãe, e mesmo com o aquecedor ligado no quarto, ainda sentia os dedos congelados.

O paradeiro de Paloma lhe causa uma das piores sensações que havia experimentado até então. Quando se passaram duas horas desde o horário previsto da sua chegada, Juan não tardou em pegar as chaves do carro de seu pai e sair pelas estradas em busca da noiva.

Não voltou para a ceia, nem conseguia pensar em qualquer outra coisa que não fosse seu encontro com ela. E mesmo quase sem esperanças, afirmou que voltaria em poucas horas com a mulher que apresentaria aos pais.

Havia uma rota que ainda não tinha verificado. Àquela hora da manhã, as estradas estavam vazias, somente cobertas por uma boa camada de neve, porém nada que o intimidasse. Levava uma mala com cobertores extra e uma bolsa térmica com chocolate quente, biscoitos caseiros e pão de frios — que fez questão de assar na noite anterior para que Paloma se sentisse em casa quando acordassem para tomar café.

Com o carro em um ritmo mais lento que o habitual — devido ao excesso de neve —, Juan inspirava e expirava profundamente, buscando dentro de si a tranquilidade que precisava para lidar com o que estava prestes a acontecer.

A possibilidade de não a encontrar atormentava seu subconsciente, buscava não pensar tanto nisso, mas era difícil diante das tentativas de busca frustrantes da noite anterior.

Virou na estrada paralela à principal, que além de mais vazia, também exibia uma vista privilegiada da cordilheira dos Andes. Em poucos minutos encontrou um carro coberto por neve, seu coração automaticamente deu um salto de esperança, mas ao abrir, não viu nada além da mochila rosa de Paloma.

Juan sentiu o coração despencar ao ver a mochila rosa no banco do passageiro.

Chamou o nome de Paloma uma, duas, muitas vezes, mas a resposta foi apenas o silêncio abafado pela neve. O carro estava desligado, frio por dentro, como se ninguém tivesse passado por ali há horas. Talvez dias.

A ideia de perdê-la começou a tomar forma, não como pensamento, mas como dor física.

Ele fechou os olhos por um instante, apoiando a testa no volante, e foi então que sentiu.

Não era calor exatamente. Era… presença.

O vento mudou de direção. O frio que antes cortava passou a recuar, como se algo respirasse por baixo da terra. Juan ergueu o rosto e percebeu, à distância, uma coluna de fumaça dourada subindo além das casas de pedra da vila.

— Não… — murmurou, com a voz falhando. — Você não faria isso sozinha.

Seguiu a pé, tropeçando na neve, guiado por algo que não sabia nomear. Conforme se aproximava da praça central, ouviu vozes e risos contidos. O estalo inconfundível de lenha queimando.

O fogo.

E então a viu.

Paloma estava ajoelhada perto das chamas, as mãos estendidas, o rosto marcado pelo cansaço — mas viva. Inteira. Quando seus olhos encontraram os dele, o mundo pareceu finalmente voltar a girar.

Juan não disse nada. Apenas a envolveu com força, como se o corpo dela fosse a única âncora possível naquele lugar estranho. Paloma apoiou o rosto em seu peito e respirou fundo, como quem retorna de muito longe.

— Achei que não fosse chegar — ela disse, com um sorriso cansado.
— Achei que tivesse ido embora do mundo. — ele respondeu com a voz falha.

Atrás deles, a vila despertava lentamente. Tinha muitas pessoas reunidas e o fogo refletindo em seus rostos como uma memória antiga que voltava a fazer sentido. 

Juan ergueu os olhos para o céu.

O sol surgia entre as montanhas, lento e firme, rompendo o último véu de nuvens.

Por um instante, apenas um, ele teve a estranha certeza de que não estavam sozinhos. De que algo observava, satisfeito, antes de voltar a dormir.

Paloma apertou sua mão.

— Algumas coisas só existem quando a gente escolhe ficar — ela disse.
Juan assentiu.

E juntos, caminharam de volta para a estrada, levando consigo mais do que um reencontro.

Levaram o sol.

Imagem ilustrativa gerada com IA para fins visuais.

Categorias:

Fragmentos Literários

Compartilhar:
Posts Relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

 

 

 


Cósmica Palavra

Cada palavra escrita é uma estrela que não se apaga.

Siga e Inscreva-se
Posts Populares
Inscreva-se na minha newsletter

Receba cartas cósmicas direto no seu e-mail.