Cósmico leitor,
Este texto nasceu daquelas manhãs em que o peso do cotidiano insiste em nos puxar para baixo, mas também da descoberta de que é justamente nesse mesmo cotidiano que podemos encontrar lampejos de beleza. Escrevi em parceria com o Bert Sant’Antony, entre conversas e reflexões sobre o cansaço e a sensação de estar preso a obrigações, e como, ainda assim, é possível encontrar brechas de leveza. Este texto abre espaço para olharmos para a rotina não como prisão, mas como palco, porque é nela que, repetidamente, escondem-se os instantes mais simples e, paradoxalmente, mais grandiosos da felicidade.
Do que se trata a felicidade?
Hoje acordei com o barulho irritante do alarme. Pensei, como sempre: “Mais um dia igual, cheio de problemas, trânsito, contas e gente insuportável.” Levantei sem vontade, tropecei de novo no tapete da sala e já comecei o dia reclamando. O café estava morno demais, e a roupa, completamente amassada. Nada parecia estar no lugar certo.
Estranha essa sensação que só sobrecarrega a gente dentro do cotidiano comum. O gosto amargo na boca era suficiente para me fazer questionar se levantar da cama tinha sido a melhor opção. Minhas responsabilidades diziam que sim; meu corpo dizia que não. Onde estaria meu ânimo para encarar mais um dia da vida adulta? Talvez tivesse ficado debaixo do cobertor, recostado no travesseiro. Por mais que o mundo lá fora me chamasse para a ação, eu só queria mais meia hora de sono.
No ônibus, o trânsito se arrastava e cada buzina parecia um martelo na cabeça. Olhei em volta e vi rostos cansados, todos presos na mesma rotina. Pensei em como a vida é injusta, em como eu merecia mais, em como tudo parecia tão sem graça. Reclamava mentalmente de cada detalhe: a demora do semáforo que irritava o motorista, o vizinho que deixou a música alta durante a madrugada, enfim… tudo.
Do portão para fora, o desafio era outro: sobreviver em meio a milhares de pessoas que também buscavam algum tipo de realização. Cada um, à sua maneira, corria atrás da própria satisfação. As ruas eram uma loucura, carros acelerados demais, gente se empurrando de um lado a outro, e eu, perdido nesse caos, precisava ainda encontrar forças para conquistar o que desejava. Só que essa corrida constante me consumia.
Cheguei ao trabalho e nada melhorou. Pilhas de papéis, e-mails acumulados, pedidos intermináveis. Eu resmungava em silêncio, como se cada obstáculo fosse uma afronta pessoal. Até a hora do almoço parecia um castigo: comida sem gosto e conversas banais enchendo o ar.
Olhei os rostos ao meu redor e percebi algo curioso: era como olhar para vários espelhos. Todos refletiam o mesmo cansaço que eu via no meu próprio rosto todas as manhãs. Onde aquelas pessoas realmente estavam, além dali? Consumidas, como eu, pela pressão e pela responsabilidade? Cada um carregava nas costas expectativas enormes, impostas pelo mundo sobre o que deveria significar uma “vida satisfatória”.
Apesar da angústia que me sufocava, percebi que não estava sozinho nessa montanha-russa de altos e baixos, pressão e incertezas. Havia outros como eu — calados, solitários, tentando traduzir o peso invisível da rotina.
E então me perguntei: do que se trata, afinal, a felicidade?
Os desafios sempre estarão presentes. Uma vida sem eles seria vazia, sem sentido, quase banal. A felicidade talvez não esteja em fugir das batalhas, mas em atravessá-las com outro olhar: mais leve, mais curioso. Talvez a rotina, por mais cansativa que seja, seja o único lugar onde podemos realmente ultrapassar limites e descobrir a beleza escondida em meio ao caos.

E você, cósmico leitor?
Já parou para perceber onde a beleza se esconde no meio da sua própria rotina?
Entre versos e universos,
Bert Saint’ Antony e Julia Abreu
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