Cósmico leitor,

No fundo, esse conto não fala só de senhas esquecidas, mas da sobrecarga de coisas que tentamos guardar na cabeça todos os dias. Senhas, compromissos, datas, tarefas… é como se nossa memória fosse uma gaveta lotada, onde empurramos mais e mais papéis até que nada mais cabe. E, quando mais precisamos, aquilo que juramos nunca esquecer se esconde justamente no fundo.

Há uma leveza em rir do próprio esquecimento. Porque, se parar para pensar, cada senha errada é também um lembrete de que não somos máquinas, e sim, humanos cheios de falhas e fases coloridas como “Chiclete1995”. Talvez o verdadeiro mistério não seja decifrar combinações de números e símbolos, mas descobrir como viver com mais humor diante do caos que inventamos para nós mesmos.

 

O Mistério das Senhas

O relógio piscava impiedoso: 08h59. Faltava um minuto para a reunião começar. O notebook aberto, a tela brilhava como um holofote acusatório. No centro, em letras frias e implacáveis, o aviso: “Digite sua senha.”

“Senha… senha…” — murmurei como se fosse uma canção desafinada, tentando puxar da memória aquele arranjo de letras e números que, no momento em que criei, parecia genial. “Era o nome do cachorro da vizinha? Era o aniversário da minha tia-avó? Ou era a combinação secreta de batatafrita#2023?”

As mãos suavam, o coração fazia batida de tamborim. “Calma. Pensa. Você é uma pessoa organizada”, eu repetia como mantra. Até que ouvi a voz atrás de mim:

— Tenta aquela que você jurou que nunca ia esquecer.

— Qual delas? — retruquei, já rindo nervoso. — Porque eu jurei isso umas vinte vezes.

Senha incorreta”, devolveu a tela, fria como juiz de futebol anulando gol no último minuto.

Tentei outra. E outra. E outra.
Cada vez que o aviso vermelho piscava, parecia uma sirene: ERRADO! ERRADO! ERRADO!

Até que o sistema deu o veredito final: “Sua conta foi temporariamente bloqueada. Tente novamente em 30 minutos.”

A sala ficou em silêncio. Só se ouviu meu suspiro longo, tão dramático que poderia ser trilha sonora de novela mexicana.

— Vinte e duas senhas diferentes — disse minha colega, contando nos dedos, incrédula. — Você já usou até “Chiclete1995”.

— Era a minha fase colorida — respondi, tentando rir da própria tragédia.

Ela riu. Eu ri. O computador não riu.
No fundo, acho que a máquina gosta de me ver sofrer.

A reunião começou sem mim, e lá fiquei, encarando a tela, me perguntando se o verdadeiro mistério da vida não é a morte, nem o amor, mas a senha esquecida que sempre escorrega pelos dedos da memória.

 

senhas

 

E você, cósmico leitor?
Qual foi a senha mais absurda que já esqueceu, ou ainda esquece até hoje? 

Entre versos e universos,
Julia Abreu

Categorias:

Fragmentos Literários

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